domingo, 12 de setembro de 2010

O Lúcifer da Cabala

O Lúcifer da Cabala não é um anjo maldito e fulminado, é o anjo que ilumina e que regenera queimando; é para os anjos de paz o que o cometa é para as tranqüilas estrelas das constelações da primavera. a estrela fixa é bela, radiante e calma; ela respira os celestes aromas e olha com amor as suas irmãs; vestida com sua roupagem esplêndida e a fronte ornada de diamantes, ela sorri, cantando o seu cântico da manhã e da tarde; goza um repouso eterno que nada poderia perturbar, e caminha solenemente, sem sair do lugar que lhe é determinado entre as sentinelas da luz.
Contudo, o cometa errante, todo ensangüentado e desgrenhado, acorre das profundezas do céu; precipita-se através das esferas tranqüilas, como um carro de guerra entre as fileiras de uma procissão de vestais; ousa afrontar a espada flamejante dos guardas do sol, e, como uma esposa apaixonada que procura o esposo sonhado pelas suas noites de viuvez, penetra até o tabernáculo do rei dos dias, depois foge, exalando os fogos que o devoram e arrastando após si um longo incêndio; as estrelas empalidecem ao seu aproximar, os rebanhos constelados que pastam flores de luz nas vastas campinas do céu parecem fugir do seu sopro terrível.
O grande conselho dos astros se reúne, e a consternação é universal: a mais bela das estrelas fixas é, enfim, encarregada de falar em nome de todo o céu e propor a paz ao mensageiro vagabundo.
Meu irmão - diz ela - por que perturbas a harmonia das nossas esferas? que mal te fizemos nós e por que em vez de errar ao acaso, não te fixas no teu lugar na côrte do sol? por que não vens cantar conosco o hino da tarde, enfeitado, como nós, com uma roupa branca que se prende no peito por um broche de diamantes? por que deixas flutuar, através dos vapores da noite, a tua cabeleira, da qual escorre um suor de fogo? oh! se tomasses um lugar entre os filhos do céu, quanto parecerias mais belo! a tua fronte não ficaria mais inflamada pela fadiga de tua carreira inaudita; teus olhos seriam puros e tua fronte sorridente seria branca e avermelhada como a de tuas felizes irmãs; todos os astros te conheceriam, e, longe de temer a tua passagem, se alegrariam ao teu aproximar; porque estarias ligado a nós pelos laços indestrutíveis da harmonia universal, e a tua existência seria mais uma voz no cântico do amor infinito.
E o cometa responde à estrela fixa:
Não creias, ó minha irmã, que possa errar ao acaso e perturbar a harmonia das esferas; deus traçou meu caminho como o teu, e se a minha carreira te parece incerta e vagabunda, é porque os teus raios poderiam estender-se tão longe para abarcar o contorno da elipse que me foi dada por carreira. a minha cabeleira inflamada é o fanal de deus; sou o mensageiro dos sóis e fortaleço-me nos seus fogos para os partilhar no meu caminho aos novos mundos que ainda não têm bastante calor, e aos astros envelhecidos que têm frio na sua solidão. se me afadigo nas minhas longas viagens, se sou de uma beleza menos atrativa do que a tua, se o meu enfeite é menos virginal, não deixo, por isso, de ser, como tu, um nobre filho do céu. deixa-me o segredo do meu destino terrível, deixa-me o espanto que me rodeia, amaldiçoa-me, se não podes compreender-me: não deixarei, por isso, de realizar a obra que me foi imposta, e continuarei a minha carreira sob o impulso do sopro de deus! felizes das estrelas que repousam e que brilham, como jovens rainhas, na sociedade tranqüila dos universos! eu sou o proscrito que viaja sempre e tem o infinito por pátria. acusam-me de incendiar os planetas que aqueço e de atemorizar os astros que ilumino; censuram-me de perturbar a harmonia dos universos porque não giro ao redor dos seus centros particulares e os prendo uns aos outros, fixando meus olhares no centro único de todos os sóis. fica, pois, sossegada, bela estrela fixa, não quero tirar a tua luz tranqüila; pelo contrário, esgotarei por ti a minha vida e o meu calor. poderei desaparecer do céu quando me tiver consumido; a minha sorte terá sido tão bela! sabe que no templo de deus ardem fogos diferentes que lhe dão glória; tu és a luz dos candelabros de ouro, e eu a chama do sacrifício: realizemos nossos destinos.
Acabando estas palavras, o cometa sacode a sua cabeleira, cobre-se com a sua couraça ardente e se lança nos espaços infinitos em que parece desaparecer para sempre.
Eliphas Levi

Witchsam
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Fonte:
http://br.groups.yahoo.com/group/SociedadeSecreta/message/9411

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